quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Resenha crítica - Uso de recusos tecnológicos para a construção de textos

Tropa de Elite (2007): Tormentos de uma guerra
Rafael Lorenzato (resenha crítica)
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Comparado erroneamente com Cidade de Deus (2002), pois são produções bem distintas em enredo e técnica, Tropa de Elite é dirigido por José Padilha, o mesmo de Ônibus 174 (2002), que à época foi considerado um filme "esquerdista" por "defender" o olhar do marginal – já que se tratava de um documentário sobre o famoso sequestro protagonizado por Sandro do Nascimento e contrapunha os argumentos das mídias sensacionalistas. Agora, Padilha inverte totalmente o foco e apresenta um protagonista fascista, mas em um filme igualmente reflexivo e com teor documental.
A história, praticamente atual, se passa no Rio de Janeiro de 1997, no qual havia (e ainda há), inegavelmente, guerras entre traficantes e policiais. Em algumas dessas frentes de batalha está o Capitão Nascimento (Wagner Moura), da Tropa de Elite, designado para chefiar a equipe que tem como missão neutralizar o Morro do Turano durante a visita do Papa João Paulo II ao país. Estressado pela violência, e ainda porque sua mulher está grávida, Nascimento necessita arranjar um sucessor que tome conta de seu batalhão com o mesmo afinco e critério que considera justo. Assim, o Capitão narra a busca pelo seu substituto, trazendo para o enredo dois aspirantes da PM: Neto (Caio Junqueira) e Matias (André Ramiro).
Amigos de infância e policiais honestos – raros no filme e, infelizmente, na realidade –, Neto se destaca pela coragem, e Matias, pela inteligência e utopia. Ambos buscam lugar na corporação, mas é Matias que mais se destaca na história. Negro e pobre, pretende formar-se em Direito. Porém, depara-se com um ambiente antagônico: a universidade, na qual o idealismo é contraposto pelo uso das drogas que alimentam o tráfico; e a Tropa de Elite, para a qual, em uma versão simplificada, quem consome drogas ajuda os traficantes a matar os policiais.
O que Padilha faz, portanto, é mostrar um ponto de vista muito raro no cinema: o do policial. Através de uma síntese da sociedade, o Capitão Nascimento expõe seu medo de morrer e seu estresse, e justifica seu direito de punir aqueles que estão do outro lado dessa guerra, sejam traficantes, consumidores de drogas ou policiais corruptos, afinal, para ele, a tortura e o assassinato são legítimos. Detalhe para a cena em que Nascimento cobre o caixão de um colega com a bandeira do Bope acima da bandeira brasileira, evidenciando o fascismo através do qual desconstrói e recria outros policiais semelhantes, como é o caso do personagem Matias, em um ciclo que socialmente representa a pura e simples luta pela sobrevivência de um sujeito que entrará em uma favela à noite sob um intenso tiroteio.
Com antológicas falas como "pede para sair" ou "missão dada é missão cumprida", Tropa de Elite não tem apenas um excelente roteiro. Ele é uma representação verossímil da arquitetura militar, uma vez que foi escrito por, além de Padilha e Bráulio Mantovani, Rodrigo Pimentel, que transpôs par a as telas a vivência dele como policial co nvencional e depois do Bope. Pimentel foi u m dos protagonistas do filme Notícias de Uma Guerra Particular (19 99), documentário de Kátia Lund e João More ira Salles. Além disso , os atores receberam um treinamento do pró prio Bope que, segundo Wagner Moura, foi tã o intenso que parecia que eles vestiriam a f arda para sempre.
Soma-se a isso o medo da violência vivenciado nas filmagens. Como vestiam-se de policiais dentro das favelas, os atores traba lhavam no limite do risco. Todos usavam coletes identificando a equipe de filmagem, não obstante, a tensão de ser observado pelo tráfico era muito forte. Principalmente quando alguns membros da equipe foram sequestrados por bandidos que imaginaram que as armas cenográficas eram reais. Assim, Padilha e seu grupo sofriam a pressão tanto dos comandos da polícia quanto dos comandos do tráfico.
E é aproveitando a vivência do conflito que a produção se utiliza de diversos elementos estéticos para narrar o dia-a-dia dos policiais, em uma linguagem de cinema expressada principalmente pelo fotógrafo e cinegrafista Lula Carvalho, que utiliza a câmera na mão ao mesmo tempo em que persegue os personagens, subjetivando o olhar do espectador. Além disso, as atuações e a direção de Padilha traduzem a identidade do filme, que expõe um ponto de vista único, porém, importante.
Através desse conjunto de características que compõem a película, Tropa de Elite faz com que o público reaja de formas diversas. Da empatia à aversão espontânea, do riso à angústia, cada espectador demonstra um comportamento, amparado, certamente, em sua inserção sociocultural. O filme não é a ótica do Capitão Nascimento e sua opinião fascista, mas sim, um poderoso agente de transformação, simplesmente porque gera discussão sobre as condições absurdas em que vivemos, mas que fazemos questão de relevar e não enxergar.

http://www.cinema.com.br/site/acervo.php?id=206&a=2

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